Em um contexto de rede social, a primeira vez que ouvi a palavra hater foi no Tik Tok. Uma moça, aparentemente inteligente e estudiosa, chorava em um dos seus vídeos porque, segundo ela, foi cruelmente agredida por um dos seus seguidores. A moça, defensora do neoliberalismo capitalista, aos soluços, tentava argumentar seu ponto de vista e, visivelmente abalada, se defendia aos olhos de seus cento e trinta mil seguidores. Dias depois, outra jovem moça, também aos prantos, rebatia o comentário agressivo de um seguidor.
O surpreendente era a tentativa das moças tentarem se explicar aos seus algozes. Intrigante, afinal as moças nem conheciam tais pessoas, bastava os excluírem dos seus perfis e seguirem em frente. Não havia necessidade alguma delas passarem aquele constrangimento e sofrimento na frente de tantos internautas.
Fico até hoje me perguntando: por que elas fizeram isso? Por que as pessoas, dentro e fora das redes sociais, tentam se desculpar o tempo todo?
Que tal solucionarmos essa incógnita juntos? Primeiro precisamos dos conceitos das palavras hater e ódio. Hater no contexto de rede social nada mais é do que a pessoa que dissemina o ódio na internet. E ódio é um sentimento de aversão por algo ou alguém. O indivíduo fica desejando que alguma coisa ruim aconteça com o objeto desse ódio.
A palavra ódio vem do latim ‘odiu’. O indivíduo que tem ódio do outro tenta destruí-lo através de insultos, de agressões físicas e — cuidado com esse —um ódio velado, nas entrelinhas. Existem pessoas que acreditam que o ódio é o oposto do amor, acredito que o oposto do amor é a indiferença, não o ódio.
Também uma pessoa pode sentir ódio por injustiças da vida ou quando o indivíduo sofre algum tipo de agressão, por exemplo de um homofóbico, crescendo dentro de si o sentimento de revolta. Pode odiar o ladrão que lhe roubou o celular ou o político que desviou fortunas dos cofres públicos. Contudo, o ódio por uma pessoa diretamente ligada, bem próxima, como um parente, cônjuge ou amigo, é mais assustador.
Esse ódio se encontra principalmente nas relações abusivas, cruéis e comuns. Eu estudei e acompanhei casos de violência doméstica e abuso sexual infantil. Na maioria dos casos, a pessoa agredida procura perdoar o agressor e quer se livrar de qualquer sentimento de ódio que possa ter tido.
De verdade, o ódio faz mais mal ao indivíduo que o sentido pelo outro. O ódio corrói a pessoa por dentro, consumindo seu fígado e outros órgãos relacionados a esse sentimento. E o hater nada mais é esse tipo de pessoa dentro da Web.
Aconselho a vocês se afastarem de pessoas que os odeiem. São perigosas e nada podem agregar. Vi com meus próprios olhos um casal que morava no mesmo teto por duas décadas, um odiando o outro, sem ao menos olharem nos olhos, mas não se afastaram. Pode parecer insano, entretanto, se observamos ao nosso redor, notamos vários casos parecidos a esse.
Agora vamos para nossa história.
Sofia é uma moça aplicada. Desde menina sonhava em estudar nos Estados Unidos. Dentro do seu pequeno quarto do sobradinho onde morava com a mãe, sua irmã e a tia, Sofia brincava de professora e aluna. De verdade, seu sonho era estudar na Califórnia, porque adorava assistir The O. C. e fingir ser a Summer, personagem central da peça.
Com empenho muito acima da média, Sofia conseguiu finalmente ingressar na UCLA. Lá, estudou Ciências Políticas e Economia, especializando-se em Macroeconomia, tudo com elogios dos seus professores, algo que a deixou de peito estufado, igual a um surucuá-de- barriga-vermelha.
Embora acumulasse sucesso atrás de sucesso, Sofia continuava sendo aquela menina tímida, recatada, dedicada aos estudos e sonhadora. Certo dia, sua amiga de quarto na faculdade sugeriu que ela entrasse nas redes sócias com a finalidade de passar seus conhecimentos e ideias a jovens desinformados.
Assim foi: Sofia abriu uma conta no Instagram e outra no Tik Tok.
Tudo corria às mil maravilhas…, porém, as redes sociais são faca de dois gumes: da mesma maneira que elas trazem audiência e te aplaudem, aparece pessoas que instigam, maltratam e abusam: os haters.
Depois de algumas semanas, surgiu o primeiro hater provocando Sofia e suas teorias baseadas em estudos e leitura. Com educação, ela respondeu uma ofensa a uma. Até que certo dia, outro hater a ofendeu com desprezo nas palavras. Chamou-a de mendiga da Califórnia.
O comentário do hater atingiu em cheio Sofia, como se uma flecha indígena com curare atravessasse seu peito. Seu passado simples, de dificuldade financeira desde a morte do pai, por vezes comendo só meio ovo com arroz e farinha, semanas no escuro até o parco salário da mãe e a aposentadoria da tia chegarem para pagarem a conta de luz, foram as pitadas de tempero para que o comentário do hater a abalasse por inteiro. É bem possível que ele ficou a observando por semanas para saber da sua difícil infância.
Daí surgiu a dúvida: ela iria em frente ou não? Responderia a essa odiosa pessoa ou simplesmente bloquearia e seguiria à próxima pergunta? De imediato, Sofia não respondeu, encontrava-se profundamente abalada. Seus olhos queriam transbordar as lágrimas, mas ela se conteve e engoliu o soluço, porque estava ao vivo e pegaria mal à sua imagem virtual. Decidiu pular a resposta do seu agressor e foi à outra pergunta, mais fácil de responder. Era uma pergunta técnica, bem interessante, daquelas que Sofia adorava responder. Não deu um minuto, e o hater voltou a digitar no chat: e aí, mendiga da Califórnia, vai nos deixar no vácuo ou vai responder a minha pergunta?
Totalmente alterada, com lágrimas derretendo seu rosto de porcelana chinesa, Sofia contra-atacou o hater. Entretanto, sua estratégia fracassou assim que um ato falho pegou a brasileira no contrapé. Ela concordou que vinha de uma família simples, humilde, e se orgulhava muito de ter conseguido bolsa na UCLA, por mérito próprio. Até aí Sofia estava se saindo relativamente bem. Contudo, ela escorregou na casca de banana e deixou escapar: viu, Rodrigo — nome do hater —, eu entrei por mérito, não como você e seus amigos riquinhos que precisam de algum ‘costa quente’ para ingressar numa boa faculdade ou ter um emprego de gabarito. Nossa!! Era tudo que o hater precisava para levar a conversa na direção que ele queria: a inveja da menininha pobre para com o riquinho, privilegiado, nascido em berço de ouro. Quanto mais Sofia tentava argumentar, mas se afundava, até que, sem condições psicológicas, ela encerrou a live.
Dias depois, recuperada parcialmente do baque, Sofia voltou às redes sociais. Embora estivesse mais equilibrada, era notório sua sensação de inferioridade. Como diz o ditado: “você se vê como pensa que o outro te vê”. De verdade, uma leitura completamente errada por parte de Sofia, porque todos nós sabemos o quanto essa moça se esforçou, e o lugar que alcançou tanto no trabalho como na faculdade é de dar inveja a qualquer um, até a mim. Mais ainda ao ‘Rodrigo Hater’. Infelizmente nossa heroína não conseguia enxergar. Quem sabe hoje ela tem outras lentes e vê seu agressor como uma pessoa invejosa, sem condições alguma de alcançar o seu feito. Vai um conselho para você, Sofia: nunca diga isso, principalmente nas redes sociais.
É, meus ouvintes, sentimentos antigos, ampliados pela modernidade das redes sociais.
Tenham um bom dia, e um beijo no coração.